A Força de Paulo Coelho
Ricardo Franca Cruz
O mais universal dos escritores brasileiros lança um novo livro e se equilibra na tênue linha entre a matéria e o espírito
Da pequena varanda do 3º andar do edifício construído durante os anos 20 no 16º Arrondissement de Paris, na margem direita do rio Sena, a voz anasalada grita meu nome e chama minha atenção com um carregado sotaque carioca: “Um incêndio! Ali na frente! Espere, eu vou descer!”. Na rua, a poucos passos, uma pequena multidão assiste à fumaça escura sair de duas janelas no alto de um prédio côncavo de apartamentos residenciais. Em alguns minutos, o dono da voz, um senhor branco de 61 anos, praticamente careca, salvo uma rala camada de finos fios brancos que lhe cobre a cabeça, nariz e bolsas proeminentes embaixo dos olhos, lábios grossos, cavanhaque branco, menos de 1,70m e uma pequena barriga saliente, está ali, acompanhado de sua esposa. Quer saber o que apurei sobre o incêndio e, sabendo que nada sei, parte para o meio das pessoas, como o cidadão local que é e o repórter que já foi. “O apartamento é daquela menina ali”, e aponta para uma jovem de pés descalços, como se tivesse saído de casa às pressas. “Ela não sabe como começou o fogo, a esta altura os bombeiros já deveriam ter chegado”, ele comenta com a esposa. As sirenes se fazem ouvir. O casal fica impressionado com a calma dos vizinhos ao lado e abaixo do apartamento em chamas que, de suas janelas, acompanham a fumaça densa se dissipar na noite. Uma rápida caminhada em direção ao rio e eles estão, curiosos, em frente à entrada principal do prédio, onde os bombeiros já conectaram uma potente mangueira à rede de água da cidade. Assista aos bastidores do ensaio fotográfico, que aconteceu no apartemento do escritor em Paris
Puxando a esposa, a artista plástica Christina Oiticica, pela mão, Paulo Coelho pára e vê de perto um backlight com um pôster de Cidade dos Homens, que estrearia em menos de uma semana nos cinemas parisienses. Cinéfilo, pergunta: “Você viu este filme?” À resposta afirmativa, emenda: “É bom?” Digo que a obra – “Cité des Hommes” na França, que receberia mais elogios que críticas negativas nos jornais do país –, apesar da promessa silenciosa de ser um novo Cidade de Deus ou algo do mesmo nível, é uma das mais “mais ou menos” entre as recentes produções nacionais. Dificilmente ele o assistirá em uma sala de cinema. “Pirateio muitos filmes pela internet, assim como deixo piratearem todos os meus livros.”
Quatro horas antes, pontualmente às 19h, com o dia ainda claro lá fora, é o próprio Paulo Coelho que abre a porta de seu apartamento parisiense para uma entrevista cuja duração fora previamente acertada: três horas exatas. Gentil e calorosamente, apresenta a esposa e Paula, sobrinha e assistente, que mora no apartamento e chefia uma equipe de quatro pessoas que mantém o blog, os sites e as páginas do escritor nas redes sociais virtuais. Ele veste uma camisa pólo preta por dentro da calça jeans desbotada, tênis branco de corrida e um imponente relógio de marca fina. Pede alguns minutos para terminar de responder a um e-mail e logo convida à sala de estar. Oferece: “Champanhe ou vinho?” Vinho. Como canta Mick Jagger, inspirado pelo autor russo Mikhail Bulgakov, o brasileiro mais lido no mundo é um homem de riqueza e bom gosto. A riqueza mais óbvia e visível vem do que parece ser uma fonte inesgotável: um catálogo do qual constam 17 obras, incluindo o novo livro, O Vencedor Está Só, o primeiro do que se especula ser um contrato de muitos dígitos com a Ediouro, 74 editores espalhados pelo mundo, mais de 100 milhões de livros vendidos no globo em 66 línguas diferentes, os convites, cargos, prêmios e, principalmente, a fama e o poder de influência decorrentes disso tudo – ele é Mensageiro da Paz e Embaixador Europeu de Cultura, ambos postos da Organização das Nações Unidas, e Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra francesa criada por Napoleão Bonaparte. O bom gosto deve vir uma porção de berço, outra da voracidade pelos livros na juventude, outra do dinheiro, que começou a ganhar na música, como parceiro de mestre Raul Seixas, e usou, em boa medida, para viajar o mundo.
Milionário e espécie de trabalhador-bon vivant-internacional, é no plano humanista e objetivo que se encontra a interpretação de “riqueza e bom gosto” que mais se encaixa ao perfil do escritor carioca: tem a ver com as muitas e profundas experiências vividas e adquiridas ao longo do que Fernando Morais define na biografia O Mago como “trajetória extraordinária”.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 23 da Rolling Stone Brasil, agosto/2008
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